
De Volta Para a Cozinha
Redescobrir a importância e o potencial criativo de confecionar

Factos e Números
Sabias que quando cozemos cenouras a quantidade de betacaroteno disponível aumenta 6,5 vezes, em comparação com cenouras cruas? O betacaroteno é um antioxidante que se transforma em Vitamina A e tem um papel importante para manter a nossa pele e olhos saudáveis. Contribui também para travar o declínio cognitivo assim como o risco de cancro.
Propomos criar um movimento de volta para a cozinha! Durante a pandemia nasceram duas tendências, uma de volta para a cozinha e a outra de fácil acesso à entrega de comida ao domicílio.
Vamos focar-nos na redescoberta do potencial de expressão criativa que a cozinha nos oferece. Confeccionar a nossa própria comida é um excelente contributo para assegurar a saúde da nossa família e assim um factor crucial para um futuro mais resiliente. Permite-nos também exprimir o nosso amor, e é um espaço para explorar a nossa curiosidade, experimentar novos sabores e descobrir novos prazeres.
Até recentemente o ato de cozinhar era considerado inferior, uma atividade antiquada, básica e irrelevante e também associada ao conceito discriminador “mulheres pertencem à cozinha”, o que ainda hoje contribui para distanciar algumas mulheres da cozinha.
Um dos efeitos colaterais da emancipação de género, foi a distância que as mulheres sentiram necessidade de criar entre si e a cozinha, para serem profissionalmente reconhecidas e o custo deste distanciamento foi a saúde. Será possível que este distanciamento foi uma das razões pelas quais o número de mulheres que constam entre os Chefs mais conhecidos continua a ser proporcionalmente baixo?
Todos precisamos de questionar os preconceitos que limitam o nosso bem-estar e a arte de cozinhar é um espaço inspirador à espera de ser descoberto por muitas pessoas!

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NUNCA É TARDE DEMAIS PARA APRENDER
Alex tem 40 anos e é jornalista. Ele nunca cozinhou na sua vida. A pandemia CoVID-19 permitiu-lhe aprender a cozinhar. Ao telefone com a Solange partilhou com ela o facto de nunca ter cozinhado, demonstrando algum receio. Solange contou-lhe que o pai tinha aprendido a cozinhar aos 60 anos após se ter separado da sua mulher. Provavelmente por gostar tanto de comer, em poucos meses tornou-se um excelente cozinheiro!
Após esta conversa a Solange enviou-lhe um questionário on-line, que fazia parte de uma campanha que Nuno, um Chef famoso, tinha lançado no início do período de confinamento, com o objetivo de ajudar pessoas como o Alex a iniciar-se na cozinha. E… o Alex foi selecionado em conjunto com mais 20 pessoas para participar no primeiro programa on-line de iniciação à culinária para adultos!
A primeira sessão de culinária on-line foi com o chef Nuno! Alex ficou impressionado e ao mesmo tempo surpreendido, porque na primeira sessão o chef nem se encontrava numa cozinha… ele explicou aos 20 participantes a importância de o ouvirem em primeiro lugar!
Ao gravar a sessão, ele pediu a todos para partilharem o seguinte:
- Pergunta 1: quais são os três alimentos favoritos, porque são importantes, descrição do sabor e quais as memórias associadas a esses alimentos?
- Pergunta 2: quais são as preferências e intolerâncias alimentares?
- Pergunta 3: numa lista de frutas e vegetais quais é que assinala como de fácil acesso (de preferência bio)?
O Chef Nuno explicou aos participantes que é importante que os conselhos de culinária que pretende ensinar-lhes sejam adaptados aos desejos de cada um, às necessidades e aos alimentos aos quais têm acesso.

CONSTROI A TUA PRÓPRIA AGROFLORESTA
Tens acesso a uma horta comunitária? Ou a tua própria horta? Seja ela na varanda, num quintal ou num terreno comunitário. Após a inauguração da ponte 25 de Abril, em 1966, o Sr. Pimenta, foi viver para Campolide e começou a fazer uma pequena horta de subsistência perto da barraca onde vivia. Foi plantando várias variedades de árvores e hortícolas que foram crescendo e garantindo a subsistência da sua família e permitindo que a sua mulher vendesse o excedente no mercado local.
Muitas das nespereiras existentes foram resultado de uma brincadeira, quando o sr. António Pimenta desafiou os filhos a semear os caroços que sobraram do almoço para ver qual deles é que nascia. Só se voltou a lembrar deste jogo quando se começou a aperceber que tinha nespereiras a nascer por todo o lado.
Deixou aquele espaço quando começou a ser intervencionado para realojamento das famílias. Mais tarde outros hortelões urbanos foram ocupando o espaço delimitando as suas hortas.
Hoje o Sr. Pimenta tem um talhão nas hortas comunitárias do bairro da Bela Flor e continua a espalhar as folhas no chão dizendo “temos que alimentar a terra, senão ela deixa de nos dar alimento a nós”. Sempre cultivou aplicando os princípios base da agrofloresta, sem o saber.
Também sem saberem que ali já existia uma agrofloresta, um grupo de voluntários iniciou em 2008, um projecto de reflorestação ali mesmo ao lado, numa área sem árvores, até que se apercebeu que a sabedoria antiga convive lado a lado com novas técnicas e que um novo projecto (BelaFlorRespira) vai honrar aquilo que o sr. Pimenta começou. E vai gerar alimento para muitas famílias e quem sabe algum micro negócio.

COZINHAR SEM FOGO
Quando os alimentos se tornam “vazios” de nutrientes reais e vivos e apenas enganam a nossa fome, tornam-se incapazes de alimentar a nossa alma e interferem de forma negativa com a nossa saúde e equilíbrio, abrindo uma porta para doenças crónicas como diabetes, hipertensão, níveis de colesterol elevados (levando a derrames), distúrbios alimentares, doenças auto-imunes e oncológicas… algumas curáveis mas outras não.
Perante este confronto com os sistemas alimentares “vazios”, com que frequentemente nos envolvemos, convidamos a reconectar-se com a verdadeira essência dos alimentos vivos e a tornar-se ativista do pró-vida.
Comida viva significa comida crua – ou comida que não é aquecida acima da nossa temperatura corporal.
Pode questionar-se, porquê cru, se supostamente cozinharmos os alimentos os torna mais digeríveis?
Bom, porque os alimentos vivos carregam tantos nutrientes preciosos – por exemplo: um sumo preparado com folhas verdes frescas traz um nível totalmente diferente de nutrição ao nosso corpo – e a nossa vitalidade e saúde ficam esplendidamente beneficiadas, em especial se expusermos a nossa pele ao sol após a ingestão (ver mais detalhes no factos e números).
Embora a comida crua signifique que alimentos que não foram cozinhados, preparar refeições cruas é uma arte muito diversificada e criativa, que vale a pena aprofundar! Concretamente, implica redescobrir a arte e as técnicas de preparar alimentos e, portanto, passar algum tempo na cozinha – e essa atividade continuará a ser considerada culinária.
Também introduz atitude!
Quando os nossos comportamentos alimentares se diferenciam dos padrões predominantes, é importante saber defender esta diferença! Algumas pessoas podem rir-se de nós. Outras podem-nos desprezar ou sentir-se excluídas por nós – podendo este processo tornar-se um desafio!
Experimentar plenamente os benefícios que os alimentos crus trazem à nossa saúde, aos nossos níveis de energia, de bom humor e de bem-estar geral – estamos a contribuir para a melhoria do nosso potencial – aceitemos o desafio de alteração de estilo de vida, para que estas qualidades recém-adquiridas permaneçam na nossa vida.
(Este conto assenta numa história da Joana Guardião)

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Imagine o impacto gerado, à escala planetária, se os cerca de 8 bilhões de seres humanos existentes se adaptassem a uma maneira mais simples, intuitiva, saudável e vibrante de produção de alimentos, que em paralelo proporcionassem uma estreita simbiose com o solo e a terra.
Atualmente, a agricultura industrializada é um dos maiores obstáculos para o equilíbrio dos ecossistemas, sendo ainda maioritariamente responsável pela perda do nosso bem-estar e conexão com a natureza. Faz sentido que a maioria das pessoas se sinta mais confortável a beber uma bebida supostamente “açúcares zero”, sintetizada em laboratório, em vez de mastigar uma flor de chicória? Por que nos esquecemos do que nos faz bem comer? Em que momento da nossa jornada evolutiva, perdemos esse conhecimento vital? Terá sido também uma reação instintiva para nós, tal e qual como o é para um pássaro, quando se alimenta de uma minhoca? Ou foi um comportamento aprendido que se desvaneceu pelo caminho, à medida que foram surgindo os avanços tecnológicos?
Quando olhamos para alguns achados fósseis é fácil perceber que o Homem, antes de começar a produzir alimentos, conseguia perpetuar a sua sobrevivência, apenas através do conhecimento dos alimentos que se desenvolviam naturalmente. Será que, durante o paleolítico, o Homem conseguiu esse feito, através de um processo tentativa e erro, ou era inato e em harmonia com a natureza na qual se inseria?
Na realidade não conseguimos demonstrar de que forma os nossos ancestrais pensavam e sentiam, especulamos apenas então a ideia de que os humanos podem ter comportamentos idênticos aos animais no que toca ao saber inato e conhecem quais os alimentos que devem comer e, paralelamente, também entendem a linguagem subtil da terra. Se fosse essa a realidade, como poderíamos reacender essa capacidade agora inativa em nós? Também existe no nosso interior um alarme que nos leva a subir ao topo das colinas, antes da ocorrência de um tsunami, ou que nos capacite, através de um simples piscar de olhos, declinar a ingestão de vegetais que podem ser perigosos à nossa saúde?
Será que podemos voltar a ativar uma abordagem holística de navegação cerebral e direcionada para o fortalecimento e para o sentido de conectividade instintivo? Isto em oposição ao estímulo crónico de imaginações supérfluas que não cabem na caixa de definições feitas pelo homem. Que benefício podemos tirar do atual processo de alienação do que é natural? Provavelmente já ouviu o termo “usar ou perder”; um exercício comprovado e demonstrado que se aplica a todos os músculos do corpo, às nossas habilidades de pensamento crítico, à inteligência emocional, comunicação, criatividade, habilidades de observação e intuição, só para citar alguns. São os nossos hábitos que impulsionam os resultados. Se queremos criar ou refinar uma capacidade pessoal, precisamos de a praticar repetidamente até que se torne uma segunda natureza confiável, cultivando assim um tipo de memória “muscular” do subconsciente. Essa é a base da neuroplasticidade, uma técnica cientificamente comprovada usada para reconectar deliberadamente os nossos cérebros, hábitos e percepções, com o mundo que nos rodeia.
Podemos cultivar um sentimento mais profundo de simbiose plena com a natureza, através do enriquecimento dos nossos hábitos diários com experiências e rituais de inter-conectividade? Certamente que sim.
Qualquer um de nós que já tenha dedicado algum tempo a cuidar de um jardim ou mordiscado frutas frescas na floresta, entende na plenitude o simples e inexplicável prazer de se entregar às dádivas da terra. Quando promovemos o relacionamento com a fonte viva presente nos nossos alimentos, entramos diretamente em harmonia com a natureza.
A arte de saber colher abre-nos as portas do mundo para uma das práticas de sobrevivência mais antigas da humanidade e para uma das formas de comunhão com o nosso planeta. Saber colher alimentos e remédios naturais é uma habilidade fundamental. É também uma abordagem prática e fundamentada para despertar a profunda sabedoria ancestral, inspiradora e que faz nascer dentro de nós uma sensação saudável de liberdade e poder. É claro que nem todos nós queremos passear pelos prados em busca de uma salada para o jantar, quando há um supermercado na porta ao lado. Mas talvez os que estejam interessados sejam essenciais para que haja fornecimento de produtos locais e de plantas medicinais.
Se tens curiosidade em experimentar algumas mudanças na tua rotina diária, para ampliar a tua neuroplasticidade, conecta-te com o mundo das plantas e constroi relações com estes seres cheios de vida.
Será que é o momento de acolher o que é selvagem?
(A Jennifer Caravella é especialista em plantas autóctones e adora passar tempo em ligação com a natureza e encontrar abundância que transforma em produtos para cura e bem-estar)